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Einstein errou? Cientista diz que Big Bang não deu origem ao Universo

Bruno Bento, físico português que estuda a natureza do tempo na Universidade de Liverpool, no Reino Unido - Divulgação/Universidade de Liverpool
Bruno Bento, físico português que estuda a natureza do tempo na Universidade de Liverpool, no Reino Unido Imagem: Divulgação/Universidade de Liverpool

Juliana Stern

Colaboração para Tilt, em São Paulo

17/11/2021 04h00Atualizada em 17/11/2021 18h05

Um novo estudo realizado na Universidade de Liverpool, no Reino Unido, iniciado com objetivo de entender melhor como a gravidade se comporta fora da Terra, encontrou resultados que podem começar a alterar a compreensão de uma das teorias mais aceitas pela ciência: a do Big Bang, grande explosão que deu origem ao Universo, que se apoia, em parte, na Teoria da Relatividade, de Albert Einstein.

Segundo a pesquisa, o Universo não teve um ponto de início no Big Bang. Ele sempre existiu. "Não é que a teoria de Einstein esteja errada. O que observamos é que, em algumas regiões específicas [do espaço], a teoria dele não pode ser aplicada, então exploramos novos caminhos", afirmou a Tilt o engenheiro físico Bruno Bento, 25, cientista português autor do estudo.

Os resultados da pesquisa foram publicados em setembro deste ano na plataforma arXivLabs, mantida pela Universidade de Cornell, para a divulgação de pesquisas que ainda não foram submetidas a periódicos científicos. Ele aguarda revisão de outros cientistas para esse processo.

O artigo, intitulado If Time Had no Beginning (Se o tempo não tivesse início, em inglês), foi escrito em conjunto com a pesquisadora Stav Zalel, doutoranda em física teórica no Imperial College of London, e orientado pela física britânica Helen Fay Dowker, também professora no Imperial College.

E quais seriam os novos caminhos?

Em seu trabalho, o pesquisador usou uma teoria da gravidade quântica, relativamente nova no campo da física, chamada Teoria dos Conjuntos Causais, para embasar a tese. Ela é usada para estudar regiões do espaço conhecidas como singularidades — exemplos clássicos dessas singularidades seriam os buracos negros.

Bento começou a trabalhar com a Teoria dos Conjuntos Causais durante seu mestrado em física teórica pelo Imperial College of London, atraído principalmente pela ideia de desvendar os conceitos da física de tempo e da Gravitação Quântica. "Gostei imediatamente de como a teoria parte dos problemas de forma muito focada e usa isso para propor uma solução", afirmou.

Segundo o pesquisador, que cursa atualmente o doutorado em Cosmologia e Teoria de Cordas, na Universidade de Liverpool, a explicação por trás da formação do Universo tem aspectos matemáticos e não só físicos, e a Teoria da Relatividade, de Einstein, não engloba a compreensão desses campos mais recentes.

"Quando calculamos certas quantidades na física usando a Relatividade Geral, como a força gravitacional num dado ponto do espaço, esperamos obter um resultado finito, como 10, 100 ou 1.000. Mas, em alguns casos [do espaço], existem quantidades infinitas. Por exemplo, a curvatura do espaço-tempo no centro de um buraco negro é infinita", explica o pesquisador.

É nesse aspecto que Bento diz que a ciência vê limitações do estudo de Einstein. E isso acontece porque um resultado infinito não é considerado físico, pois não é um número que pode ser determinado e usado em uma equação matemática.

Sendo assim, pode-se considerar que as singularidades (como o buraco negro) não conseguem ser explicadas por processos da física. Os mecanismos da Teoria da Relatividade geral, de Einstein, deixam então de ajudar na compreensão dessas regiões singulares.

Outra característica das singularidades é que elas são infinitesimais (que na matemática significa uma quantia que está mais perto de zero), o que as torna menores do que qualquer coisa analisada pelo olhar da física.

E o que o Big Bang tem a ver com isso?

Segundo a interpretação mais clássica da teoria de Einstein, o Universo começou em uma singularidade. O Big Bang foi o momento em que toda a matéria que existia, concentrada num ponto infinitesimal começou a se expandir violentamente.

Contudo, se as singularidades são infinitas, diz Bento, então o fenômeno não pode ser considerado como um começo, já que, por definição, algo que é infinito não tem um início ou fim.

A partir dessa relação, o pesquisador português e outros cientistas de sua equipe chegaram ao entendimento teórico de que o Universo então pode simplesmente sempre ter existido.

A explicação que faz sentido, segundo eles, entra na Teoria dos Conjuntos Causais, que engloba pontos relacionados entre si no espaço-tempo em que a única estrutura que os conecta é a relação de causalidade entre quaisquer outros elementos no tempo.

Parece confuso, mas o pesquisador dá um exemplo mais próximo da nossa realidade. "Podemos imaginar um conjunto causal como um quebra-cabeça: visto de longe, parece uma fotografia contínua. Mas, de perto, vemos que é composto por peças individuais com um tamanho específico que podemos contar."

Outro exemplo seria uma tela de computador, que parece nos mostrar imagens contínuas, mas, se dermos um zoom, vemos que ela é composta por vários pixels individuais, que têm tamanho específico e que podemos contar.

"Em nosso trabalho, o Big Bang não seria considerado como um começo. Nós concluímos é que, matematicamente, é perfeitamente possível [existir] um conjunto causal infinito para o passado, então sempre haveria algo antes", explicou Bento.

Isso não significa que o Big Bang não existiu, mas sim que ele foi um momento na evolução desse conjunto causal, e não o começo de tudo que existe.

"É incrível a quantidade de fenômenos físicos que parecem totalmente impossíveis na nossa intuição e que podemos estudar e detectar experimentalmente", destacou a Tilt sobre sua paixão pela área que estuda.

Próximos passos

O artigo concluído dos pesquisadores está disponível para leitura gratuitamente na plataforma arXiv. Como destacado anteriormente, a pesquisa ainda deve passar pela revisão por pares, parte essencial da publicação científica, a qual confirma a validade da ciência relatada — são etapas comuns em várias áreas do conhecimento acadêmico.

E esse processo não será algo simples, pois as previsões da Teoria dos Conjuntos Causais não podem ser testadas através do método científico clássico (como usar testes em laboratório), mas só através de modelos matemáticos.

Contudo, os resultados do estudo de Bento abrem caminho para outros cientistas explorarem essa tese.

E vale reforçar novamente: o trabalho não desbanca a teoria da Relatividade Geral, mas, sim, busca outras escalas que permitam preencher as lacunas deixadas pelas fórmulas de Einstein.

"A pergunta agora é se conseguimos definir dinâmicas ou processos que gerem estes conjuntos causais e se eles são razoáveis [para o entendimento científico]. Por exemplo, se permitem fazer a ligação com a Relatividade Geral, que está tão bem estudada", concluiu Bento.