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Como seria se a humanidade deixasse de consumir carne e soltasse os bois?

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

06/10/2020 04h00Atualizada em 06/10/2020 16h40

Você provavelmente conhece alguém que não consome carne. De acordo com uma pesquisa do Ibope há pouco mais de dois anos, 14% dos entrevistados se declararam vegetarianos. As justificativas para isso são as mais variadas e nobres possíveis. Há desde quem se preocupa com o planeta, com os animais ou que buscam preservar a própria saúde.

O consumo exagerado de carne pode causar diversos problemas, como doenças cardiovasculares. Apenas em 2019, elas mataram 289 mil pessoas no Brasil, segundo a plataforma Cardiômetro, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Mas como seria se, de uma hora para outra, todas as pessoas do mundo parassem de comer carne e alimentos de origem animal? Será que teríamos mais soluções ou mais problemas?

A natureza agradece...

O primeiro impacto claro é que, em médio prazo, o espaço usado pela agricultura seria reduzido drasticamente. Isso porque 68% dos terrenos são ocupados por monoculturas (soja, por exemplo), que, entre outros usos, servem de matéria-prima para a ração que alimenta o gado.

Se a pecuária deixasse de existir, o consumo de água da humanidade também seria drasticamente reduzido. São usados em torno de 7 mil litros de água para se produzir só meio quilo de carne. Ah, e sem o plantio dessas monoculturas para a fabricação de ração, o uso de agrotóxicos também cairia.

...mas também pode sofrer

Se o impacto no uso de recursos seria evidente, qual seria o destino dos animais que, hoje, são criados em cativeiro?

E eles não são poucos: um levantamento de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta 213,5 milhões de bois e vacas no Brasil (o maior criador do mundo). E há outras espécies em número maior: segundo dados de 2017 do instituto, a população de galináceos (galinhas, frangos, galos e pintos) criados no país era de 1,4 bilhão de cabeças.

Se todos esses animais fossem simplesmente soltos na natureza, o impacto seria enorme. Basta lembrar os problemas causados pela superpopulação de javalis na região Sul do país.

Além do desequilíbrio ambiental —que poderia prejudicar populações de outros animais— haveria o risco dessa enorme população acabar crescendo e ampliando ainda mais o problema.

Neste caso, a melhor solução seria manter os bichos em cativeiro ou em áreas restritas até que elas acabassem se reduzindo de forma natural.

Fica frio, planeta

Uma vez que os rebanhos fossem reduzidos, a tendência é que o nosso planeta ficaria, aos poucos, menos quente.

Uma das grandes vilãs do aquecimento global é a presença de gás carbônico (CO2) na atmosfera, amplificando o efeito estufa. Mas o metano é muito mais perigoso —ele é 21 vezes mais eficiente do que o CO2 em manter o calor na Terra.

E o que a pecuária tem a ver com isso? Simples: os animais criados são verdadeiras usinas de metano e a atividade é responsável pela emissão de 14,5% do total de gases de efeito estufa.

Com a produção de monoculturas para ração de boi chegando ao fim, haveria mais espaço para o crescimento de florestas. E mais árvores de pé significam menos carbono na atmosfera, gerando um ciclo virtuoso com potencial para ajudar a reduzir os efeitos do aquecimento global.

De olho na economia e na cultura

Empresas dos mais variados ramos, da multinacional ao açougue e restaurantes de bairro, teriam que se reinventar e mudar de ramo. Poderia haver o risco de que alimentos veganos de boa qualidade ficassem restritos, ao menos em um primeiro momento, às pessoas mais ricas, já que haveria muita gente para pouca comida e isso encareceria seus pratos.

Além disso, há o aspecto cultural do consumo de carne, já que muitos pratos típicos de várias regiões do mundo usam produtos de origem animal em sua fabricação.

Com as pessoas deixando de ter acesso à carne (e, talvez, a leite e ovos), diversos pratos teriam que ser adaptados para ganhar novas versões ou serem feitos com outros ingredientes.

Fontes:

Henrique Abrahão Charles, mestre em biologia animal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Ana Bonassa, bióloga e doutora em ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)